Vamos falar sobre o Karim?

Fiz os acertos para abrir esse blog pouco antes da virada do ano, mas… Cadê que conseguia começar? 😂

Então, resolvi seguir desses conselhos anônimos que rolam por aí, um que diz “Vai sem estar pronto mesmo” e –> aqui estou!

Duas vidas em uma

Não acredito que muitas pessoas possam se dar ao luxo de dizer que viveram mais de uma vida. Assim, como diria Vinicius de Moraes, com certidão e firma reconhecida. Ok, a minha não foi no cartório do céu, mas dos homens. E, ora bolas, isso também é raro.

Lembro até hoje que achei coisa de ficção científica minha aula sobre hermafroditismo. Imagina só o ser humano ser capaz de se replicar sozinho, sem a ajuda de ninguém? Ia ser uma loucura!

Óbvio que nenhum de nós tem tal poder e, depois de muita explicação achei o conceito confuso e nada atraente. Parecia coisa das tais “aberrações” que os meninos muito falavam, mas que eu só achava a conversa chata e nem prestava atenção.

Fui começar a achar que pudesse ter alguma coisa “errada” comigo mesmo quando comecei a arrastar meu sari pelo mercado e namorar aqui e ali. Tinha sempre uma pergunta incômoda como “porque você tem bigode?” ou “seu peito é assim?”, enfim, eu achava um pouco de bullying, mas simplesmente porque não fazia ideia de como era o corpo de uma mulher XX.

Por que aconteceu?

Sei que cada pessoa que caiu na coluna da intersexualidade foi parar lá por um motivo, mas, segundo minha mãe, no meu caso foi um uso experimental da testosterona para ajudá-la a segurar a gravidez. Já ouvi mil médicos dizendo que isso não tem base nenhuma, mas… Todos os envolvidos já morreram e, honestamente, confio mais na minha mãe do que em um bando de médico que sequer foi capaz de perceber que havia uma falha.

Resumindo a história: eu não menstruava, na época, ninguém tentou descobrir o motivo direito, me tacou hormônio a vida toda, na esperança que meus ovários, sei lá, reiniciassem ou qualquer que seja o termo médico pra isso.

No final, só o que ganhei foi um monte de mioma, uma anemia perniciosa e uma cirurgia pra tirar tudo. Só pra descobrir que era tudo atrofiado e sem função!

E daí?

Bem, no final, eu tinha duas opções: podia continuar me hormonizando com estrogênio para manter as características “femininas” desse hormônio ou tomar a testosterona e migrar para o masculino.

Não foi uma decisão da noite para o dia. Talvez, se eu me sentisse feliz e realizada como mulher, nem sequer tivesse vacilado quanto à opção.

Mas, pra mim, foi como se abrisse uma porta mágica que me levaria a um mundo que poderia ter sido meu a vida toda. Um lugar onde eu não teria sofrido tanto bullying e rejeição.

Quando finalmente tomei a decisão, me senti o cara mais bonito da face da terra e, ali, percebi que era isso que procurei a minha vida toda.

Daqui pra frente

Recentemente, mais e mais pessoas vem me procurar para perguntar sobre as mudanças, sobre minha aparência, sobre o meu novo nome. Sei que essas perguntas vão apenas aumentar e também sei que, uma hora, terei que começar a lidar com as pessoas que não compreendem e por isso estão cheias de ódio e rancor.

Talvez por isso tenha optado por trilhar esse caminho longe de exposições desnecessárias. Foi bem mais fácil passar por todas as dúvidas no lockdown, tomar as decisões com o suporte apenas da família mais próxima e dos amigos que convivem comigo diariamente. Dei a sorte de trabalhar em um lugar inclusivo e de poder estar passando por essas mudanças no meu ritmo.

Ok, e por que Karim?

E não é? A escolha do nome demorou quase tanto quanto a decisão por manter ou não a hormonização feminina. 😅 Se, por um lado, eu não queria abrir mão do nome que minha mãe tinha escolhido, também queria algo neutro, que não fosse 100% masculino.

Porque, se uma coisa precisa ficar bem clara é: eu sou uma pessoa intersexo! Eu nasci assim e serei sempre assim. Sim, optei por aceitar uma imagem mais masculina. Porém, isso não vai mudar a pessoa que eu sou. E, não, antes que você diga isso, eu nunca fui uma mulher.

Concluindo…

Estarei sempre aberto para conversar com quem vier de peito aberto, mas não peço desculpas se deixar você falando sozinho se chegar com grosserias. 😝 Sou muito a favor de um mundo tolerante, mas não te responder é o melhor que posso fazer por você no momento.

Enfim, espero conseguir seguir daqui. Talvez não tenha sido o melhor dos meus textos, mas… Eu tinha que começar de algum lugar!

Com o tempo vou melhorando, prometo!

Inté!

KN


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